O consumo cada vez mais precoce e frequente de bebidas alcoólicas ameaça a saúde de muitos jovens brasileiros
“Hoje temos jovens que já buscam tratamento contra a dependência de álcool aos 18 anos. Antes, isso só acontecia aos 40 anos.
Mudou tudo no entorno do jovem: ele tem a pressão dos amigos para beber, o preço barato do produto, a publicidade, o acesso fácil, a lei que não é cumprida, a influência de familiares e a falta de orientação.”
Dados do Ministério da Saúde mostram que 242 pessoas entre 20 e 29 anos morreram em 2012 vítimas de “transtornos por causa do uso de álcool”.
Ana Cecília destaca que o risco de desenvolver dependência de álcool é bem maior entre pessoas de até 24 anos de idade, pois o cérebro ainda não está totalmente formado nessa fase. “No início, alguns jovens ficam mais relaxados e eufóricos com a bebida. Se esse efeito for bem registrado no cérebro, ele já aciona o momento da segunda dose. Então o jovem toma outra dose e aí o cérebro vai ter o efeito real da bebida, que é anestésico. O álcool é uma droga depressora do sistema nervoso central.”
O álcool pode causar falta de coordenação motora, diminuição dos reflexos, confusão, aumento da confiança, lapsos de memória, vômito, instabilidade emocional e dificuldade para entender o que se passa ao redor. Por isso, muitos usuários se envolvem em situações perigosas, como dirigir alcoolizado, participar de brigas ou ser induzido a fazer sexo. Alguns entram em coma e morrem. O consumo frequente aumenta a tolerância, o que leva os usuários a beber cada vez mais.
Além da influência de amigos e familiares, a publicidade é outro fator que estimula o consumo de bebidas entre jovens. Isso acontece porque muitas propagandas relacionam bebidas ao sucesso profissional, à beleza, à alegria, à juventude, ao encontro entre amigos, à praia e aos esportes, além de explorar a sexualidade. “Estudos mostram que a influência da publicidade de bebidas é muito maior no público jovem, que ainda não definiu os produtos de que mais gosta.
O jovem experimenta bebidas na passagem da puberdade para a adolescência por curiosidade. E a propaganda ajuda a despertar essa curiosidade”, avalia Ana Cecília Marques, acrescentando que muitas crianças afirmam em pesquisas que vão consumir álcool no futuro.
O advogado Felipe Rudi Parize, autor do artigo Os limites para a publicidade de bebidas alcoólicas à luz do Direito contemporâneo brasileiro, aponta que o principal problema é que a propaganda de bebidas de baixo teor alcoólico – como cervejas e ices – não sofre limitação de horário para exibição no rádio e na televisão. “A Lei Murad (Lei nº 9.294/96) só definiu horário para a publicidade de bebidas com teor alcoólico maior que 13 graus Gay Lussac, ou seja, cervejas e vinhos ficam de fora.
Além dessa lei específica, o País conta com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que apresenta um sistema completo, mas não tem poder de coerção para as empresas que o descumprem”, avalia.
Parize explica que já existe um projeto de lei que pretende incluir as bebidas com graduação alcoólica a partir de 0,5 grau Gay Lussac nas restrições de publicidade, mas a iniciativa enfrenta pressões da indústria cervejeira. “O projeto 2.733/08 está em regime de prioridade de tramitação, há um empenho para que haja alteração.
O problema é que há um lobby muito grande da indústria para que não haja limitação de horário, porque é certo que isso vai gerar impacto no consumo. Um exemplo claro é o cigarro: a lei mais rigorosa estimulou a diminuição do número de fumantes.”
A presença do álcool em confraternizações, propagandas e dentro dos lares leva muitas pessoas a acreditar que as bebidas não representam perigo à saúde. Por isso, um dos caminhos para evitar problemas está na informação. “Os pais devem ir atrás de novos conhecimentos para orientar seus filhos e falar sobre limites.
Precisamos de uma política que envolva famílias, pediatras, escolas, universidades e o sistema de saúde. Se os pais ficarem afastados do assunto, o problema pode aparecer dentro de casa”, diz a médica Ana Cecília Marques.
Outro passo importante começa com a autoavaliação sobre os próprios hábitos. Se a busca do equilíbrio está presente em temas como alimentação, trabalho, família e lazer, o mesmo deveria ser aplicado ao consumo de bebidas alcoólicas.
Antes de ingerir mais uma dose, vale lembrar que tudo que é em excesso faz mal e pode até matar. E com o álcool não é diferente.
DEPOIMENTOS
,“Fui muito zoado porque não bebia”
Marcos Vinícios Vaz de Souza,de 19 anos, estudante de Logística
Na época do ensino médio, alguns alunos levavam bebida para a escola quando tinha festa. Eles levavam escondido em garrafa de refrigerante.
Outros bebiam na frente da escola mesmo, pois compravam em um bar que ficava lá perto. Lembro que eles insistiam para que eu bebesse, diziam que não ia ter problema, para eles era uma brincadeira.
Eu fui muito zoado porque não bebia. Como eles também sabiam que eu tinha uma fé, uma comunhão com Deus, a zoação era maior ainda.
Eu procurava me afastar de quem bebia ou usava drogas.
Resistir é algo bem difícil porque muitos jovens ainda não têm opinião formada, não têm personalidade, e aceitam beber para entrar no grupo.
,“Não precisa beber para ser feliz”
Emanueli Canha,de 18 anos, estudante de Publicidade e Propaganda
Na faculdade sempre tem as pessoas que vão para o barzinho.
Elas perguntam por que eu não bebo, insistem para eu ir também.
Existe bastante insistência de amigos para beber, tenho tias que me acham careta porque não bebo. Nunca bebi, prefiro assim.
Acho que não precisa beber para ser feliz ou agradar alguém. Mas já tive curiosidade quando tinha uns 13 anos.
Certa vez, estava na praia com meus primos e todos estavam bebendo vodca. Eles me ofereceram, insistiram.
De início eu queria experimentar, mas depois fiquei com medo. Então, eles me enganaram, misturaram vodca com refrigerante e me ofereceram.
Eu percebi que tinha álcool e joguei fora.
,Bebo todo dia. O que fazer?
Não ter controle sobre o uso de bebidas alcoólicas pode ser sinal de dependência. Se você está nessa situação e não sabe o que fazer, procure a Universal. A reunião da Cura dos Vícios é aberta a todas as pessoas e ocorre aos domingos, às 15 horas. Encontre o endereço mais perto de você na página 20 ou acesse o site universal.org/enderecos
Por Rê Campbell / Fotos: Demetrio Koch e Arquivo Pessoal
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