terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Quem você é nas redes sociais?



Todos os dias, por volta das 20 horas, Bruna*, de 27 anos, acessava seu perfil no Facebook para conversar com um rapaz com quem ela tinha feito amizade pela rede social. Ficava horas teclando com ele sobre interesses pessoais, hobbies, trabalho, relacionamentos, etc. 
Meses antes ele tinha lhe enviado uma mensagem privada para solicitar amizade dizendo: “vejo você todos os dias no parque da cidade e a achei muito bonita. Vamos conversar?”
Mesmo sem saber quem era esse rapaz, Bruna o adicionou aos seus contatos. Em seguida, descobriu que ele sempre via as fotos que ela postava enquanto fazia sua caminhada vespertina no parque com as amigas. Ingenuamente, pensou: “é só mais um amigo que faço pela internet”.
Três meses depois, Bruna descobriu que o rapaz era um impostor que havia se aproximado dela para obter seus dados e com eles aplicar um golpe em várias lojas. Hoje, ela aprendeu a lição: não divulga mais sua rotina diária, tampouco mantém contatos com desconhecidos no Facebook.
Casos como esses são comuns por causa da exposição exagerada das pessoas nas redes sociais e da necessidade que elas têm de fazer novas amizades virtuais. Enquanto muitos fazem dessas plataformas um diário de vida, outros não mostram quem realmente são.
A psicóloga e escritora Gisele Meter explica que é comum o indivíduo manipular suas publicações quando se expõe na rede social a ponto de elas tornarem-se parcial ou totalmente falsas. “Quando alguém manipula a própria realidade faz isso para ser aceito. É uma construção consciente, porém fantasiada de um eu imaginário que a pessoa quer que os outros vejam. Essa manipulação satisfaz quem a cria, pois aplaca um pouco o sentimento de rejeição. Isso se chama cauterização da mente, que é quando a pessoa fantasia tanto sobre aspectos de si mesma que acaba acreditando na própria mentira”, analisa.
Sendo assim, tudo o que você faz na internet tem um interesse, seja ele particular, seja coletivo. Uma postagem sobre um assunto da moda pode ter a intenção de captar mais seguidores para seu perfil, por exemplo. Uma bajulação em um comentário pode significar mais que um elogio sincero e expressar algo diferente do que você pensa. As curtidas que você tanto faz questão de receber em um post podem mostrar que você talvez esteja buscando ser mais popular. Já selfies publicadas diariamente podem fazer você parecer uma pessoa egocêntrica.
Todo o seu comportamento on-line vai expressar algo, que nem sempre condiz com aquilo que você pretende demonstrar. Por isso, é fundamental sempre refletir sobre sua intenção antes de fazer qualquer postagem.
Segurança na web
As informações que você disponibiliza sobre sua vida nas redes sociais podem lhe gerar grandes prejuízos. Uma pessoa mal-intencionada, por exemplo, pode roubar a sua identidade e tentar se passar por você. Quanto mais dados ela tiver obtido por meio do seu perfil verdadeiro, mais convincente ela será ao usar um fake.
O especialista em segurança nas redes Adriano Cansian, que também é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), confirma que é preciso haver equilíbrio nas postagens para não favorecer o furto de identidade. “Lembre-se de que mesmo que você faça uma postagem em um grupo reservado, pessoas daquele grupo podem repassar informações para outros, estes para outros e assim por diante. De forma geral, você deve pensar: ‘eu colocaria essas informações em um cartaz? Eu colocaria isso no mural da escola? Eu publicaria isso num jornal?’ Se a resposta for não, lembre-se que a abrangência da internet é milhões de vezes maior do que de todos esses lugares”, adverte.
O Facebook conta com mais de 2 bilhões de usuários ativos mensalmente, o que o torna a rede social mais popular do mundo. Não é à toa que criminosos correm atrás de formas para obter vantagens e extorquir os usuários por meio de uma conta falsa.
A própria rede social estima que existam cerca de 150 milhões de usuários que não sejam verdadeiros em sua plataforma. Diante desse universo, é muito difícil estar seguro na internet. “É possível apenas ter um nível de proteção adequado e relativo ao uso que você faz. Cada tipo de atividade exige um tipo de proteção. Um usuário de redes sociais não precisa do nível de proteção de uma usina nuclear e, do mesmo modo, uma pequena empresa não precisa do nível de proteção de um banco. Cada caso é um caso e não existe uma receita única para todo mundo”, alega o especialista.
O problema é tão grave que os perfis falsos podem afetar a população inteira de um lugar. Uma série de reportagens da BBC Brasil revelou, recentemente, uma investigação que está sendo feita de uma empresa brasileira que teria contratado alguns funcionários para controlar de 20 a 50 perfis falsos durante as eleições de 2014.
As contas teriam sido usadas em redes sociais de 13 políticos que concorriam ao pleito naquele ano. O objetivo delas era incentivar os eleitores a votar por meio de postagens manipuladas. Não há indícios de que eles sabiam desses perfis falsos. Contudo, a suposta atuação tornou-se um risco à democracia.
Um porta-voz do Facebook escreveu à BBC Brasil por e-mail que a empresa espera tomar medidas contra os perfis falsos no País antes das próximas eleições . “Estamos eliminando contas falsas em todo o mundo e cooperando com autoridades eleitorais quanto a temas relacionados à segurança on-line e esperamos tomar medidas também no Brasil antes das eleições de 2018.”
Que comportamento é esse?
O que leva uma pessoa a assumir na rede uma identidade falsa? Para a psicóloga Gisele Meter, as pessoas usam perfis falsos por motivos diversos, mas, geralmente, estão vinculados a alguma insatisfação. “Na tentativa de equilibrar essa balança de insatisfação constante e da qual não tem controle, o usuário da rede social busca a fuga em algo que possa controlar, criando assim uma identidade manipulável, fluida e com a qual ele pode se conectar e desconectar a hora que bem entender, diferentemente de seu eu real insatisfeito ou infeliz que precisa ser encarado todos os dias”, explica.
Ela comenta que o fato de se comunicar anonimamente é algo que atrai muitos usuários da internet. “Saber que pode fazer o que quiser sem ser descoberto pode despertar aspectos egoístas, narcísicos e até mesmo cruéis, pois o outro vira objeto da satisfação do indivíduo. Não existe preocupação com sentimentos, não se pensa que do outro lado da tela existe um ser humano real, com suas fragilidades e bagagem emocional. Logo, se esconder atrás de um perfil fake é uma tranquilidade perversa, na qual não se enxerga o outro como uma pessoa, mas como objeto que pode ser manipulado ou até descartado quando não tiver mais utilidade”, avalia.
O assistente de vendas e merchandising Leonardo Maurício dos Santos (foto acima), de 26 anos, viveu essa experiência há cerca de seis anos quando conversava on-line com uma moça.
Ela havia se aproximado dele dizendo ser uma pessoa, quando, na realidade, não era. “Ela puxava assunto comigo e até então parecia ser mesmo o que dizia. Mandava fotos bem comportadas e mantinha conversas interessantes como se fosse uma mulher cristã.”
Certo dia, Leonardo desconfiou da usuária. “Comecei a perceber que algumas fotos de sua página não ‘batiam’ entre si e que tinha poucos comentários e curtidas. O que também me fez desconfiar foi o fato de ela sempre puxar assunto, porque mulheres na verdade são mais reservadas nas redes sociais. Então, pesquisei a fundo e descobri que era um perfil fake.”
O engano durou apenas duas semanas, mas serviu de alerta para os próximos contatos que ele fizer. “Hoje faço uma análise de fotos e da quantidade de amigos que a pessoa tem. Quando alguém me chama para conversar na rede social, analiso bem ou nem respondo sem conhecê-lo É bom estar sempre bem atento aos sinais divergentes”, alerta.
Consequências negativas
Não são apenas prejuízos físicos que as contas falsas na internet causam aos usuários, mas também danos à imagem pessoal deles.
Há cerca de um ano, Sheila Cantor de Oliveira (foto ao lado), de 26 anos, recebeu mensagens obscenas de diversos homens que tentavam adicioná-la no Facebook. Eles diziam que haviam falado com ela por uma sala de bate-papo de um portal. O fato é que Sheila nunca havia entrado nesse site.
Dias depois, ela descobriu que uma pessoa havia se passado por ela. “Pelas mensagens que eles escreviam dava para perceber que a conversa anterior no site era bem pervertida. Uns mandavam solicitação de amizade, outros escreviam por mensagem privada: ‘oi, gostosa, podemos continuar nossa conversa?’, enquanto outros ainda mandavam fotos obscenas”, declara.
Em seguida, Sheila descobriu que a mesma pessoa havia criado um perfil falso dela no Facebook. Ela nunca soube quem furtou sua identidade. Mas agiu rapidamente para que os danos não fossem maiores. “Publiquei uma nota no meu perfil em modo público para que todos vissem, principalmente quem fez isso, que eu não era a mesma pessoa. Logo, todos bloquearam a conta falsa e, em seguida, ela sumiu”, alega.
Reparos
Se você caiu na armadilha dos fake da internet, denuncie o que aconteceu. “Entre em contato com a rede social e explique seu caso para tentar tirar aquele perfil do ar. Geralmente, a rede social atende os pedidos comprovados. Se não funcionar, é preciso recorrer à via judicial por intermédio de um advogado”, orienta Adriano Cansian, especialista em segurança.
O advogado de Direito Digital Marcelo Crespo garante que a vítima de um perfil falso pode identificar o autor. “Ele pode ser identificado por meio dos dados cadastrais de quem o criou, tais como e-mail e telefone e, ainda, pelo número de IP da máquina. Mas, para sabê-lo, quase sempre será preciso promover uma ação judicial”, orienta.
Adriana Moraes, advogada na área, explica que criar um perfil falso nem sempre é crime. “Se for em cima de alguém que não existe apenas para preservar relacionamentos, sem que essa prática cause dano, não é crime. Pode, porém, ensejar sua retirada pelo fato de infringir os termos de uso da aplicação na qual o perfil está publicado. No entanto, se um perfil falso for criado a partir de uma pessoa real, viva ou morta, o ato pode ser tipificado como crime de falsidade ideológica, desde que cause dano à vítima”, esclarece.
*Nome fictício. A personagem pediu para ter sua identidade preservada.
Colaborou: Michele Francisco

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